domingo, 28 de junho de 2009

Estatuto do Homem (Ato Institucional Permanente)

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida, e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

Amadeu Thiago de Mello (Barreirinha, 30 de março de 1926) é um poeta brasileiro.Natural do Estado do Amazonas, é um dos poetas mais influentes e respeitados no pais, reconhecido como um ícone da literatura regional.Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso durante a ditadura (1964-1985), exilou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Um traduziu a obra do outro e Neruda escreveu ensaios sobre o amigo. No exílio, morou na Argentina, Chile, Portugal, França, Alemanha. Com o fim do regime militar, voltou a sua grande cidade natal, Barreirinha, onde vive até hoje.Seu poema mais conhecido é Os Estatutos do Homem, onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana. Seu livro Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida rendeu-lhe, em 1975, ainda durante o regime militar, prêmio concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte e tornou-o conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos.Em homenagem aos seus 80 anos, completados em 2006, foi lançado, pela Karmim, o CD comemorativo A Criação do Mundo, contendo poemas que o autor produziu nos últimos 55 anos, declamados por ele próprio e musicados por seu irmão, Gaudêncio Thiago de Mello.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Desencontros

Desencontros...destino inevitável?
..fico surpreso com o cair da chuva ainda..
mas não o com o destino!
Mas voltando a chuva...
"a mercê, indo e vindo à margem do que nos espreita,
do que nos rodeia, caminhamos absortos no que não possuímos..
do que ainda não conhecemos..
e do que podemos alcançar...."
Na ilusão do dia a dia,
às vezes, mesmo na chuva,
os pensamentos seguem seu curso...
"sou aquele tolo
ainda prefiro andar na chuva,
do que em dias sombrios me esconder..."

F. V. Rufino de Queiroz

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Eu vi o trem!



* Este poema é uma menção a um fato ocorrido a poucos dias enquanto eu viajava com minha mulher. No meio da estrada escura, uma placa avisava sobre uma passagem de nível sem barreira como muitas outras que já tinha visto antes. Mas de repente, eis que um farol seguido de um alerta sonoro bastante forte anuncia a passagem de um trem! Acho que nunca tinha visto um trem de ferro assim, tão próximo e num contexto tão lúdico! Achei o máximo... e pensei nunca ser tarde para se ter esta sensação..como quem vê algo pela primeira vez!

Eu vi o trem!

Na noite escura
parado em um cruzamento qualquer
eu vi o trem!

Vi também o maquinista
os vagões que passavam...
lentos...
como quem vê uma miragem em pleno cerrado...
embora sem ninguém!

Retrocedendo no tempo a medida em que ele ia
parecendo não acreditar no que via...
ainda assim eu via o trem!

Foi tão bonito
voltar a ser criança
uma grata supresa
uma eterna lembrança
de quando eu vi o trem!

Não era mais meu ferrorama
era a vida que passava
a imagem que eu sonhava
uma pausa que me fez bem!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Não sumi!

Às vezes o silêncio é a grandeza das palavras internas
...quietas..mornas..sem muito nexo
..ou mesmo sem intenção alguma!

Às vezes, no silêncio, sem nada a dizer..
até porque as palavras são insanas..incompreendidas..
Somos o monologo da alma por mais pungente que ela seja!

Chega um período que os choques são inevitáveis..
as reflexões..nossas culpas..nossas inconseqüências!

Mas somos humanos!
tolos seres humanos ..
e assim..dotados de todo erro!

Não sumi!

Talvez omisso...até de mim mesmo!

F. V. Rufino de Queiroz

sábado, 13 de junho de 2009

Errante

O que sou eu...
senão um errante
o amor dos meus amantes
a vida que pulsou...
e já não é mais como antes!

O que tenho eu?
senão apenas...
a vontade de ser diferente
de fazer melhor
verter o que é latente
e deixar a vida ser como ela é!

Quem sou eu?
um ser único
dono de todo um universo
onde cabe só a mim
tomar as decisões
sofrer minhas paixões
ou vivê-las em prosa e verso!

Sou o melhor que há em mim
metamorfose que não tem fim
uma alma para vários universos!