sábado, 12 de abril de 2008

O poema do menino Jesus



No meio dia de fim de primavera
eu tive um sonho como uma fotografia!
Eu vi jesus cristo descer à terra,
ele veio pela encosta de um monte
mas era outra vez menino a correr e a rolar-se pela erva,
arrancar flores para deitar fora e a rir de modo a ouvir-se longe!
Ele tinha fugido do céu,
era nosso demais para fingir de segunda pessoa da trindade!
Um dia que deus estava a dormir e o espírito santo andava a voar,
ele foi à caixa dos milagres e roubou três!
Com o primeiro ele fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido;
com o segundo ele se criou eternamente humano e menino
e com terceiro ele criou o cristo eternamente na cruz,
e o deixou-o pregado na cruz,
que era o céu e serve de modelo às outras!
Depois ele fugiu para o sol e desceu pelo primeiro raio que apanhou!
Hoje ele vive na minha aldeia comigo
É uma crianca bonita de riso natural,
limpa o nariz com o braço direito,
chapinha nas poças d'água colhe as flores, gosta delas e esquece!
Atira pedra aos burros, colhe as frutas nos pomares e foge a chorar e a gritar dos cães!
Só porque sabe que elas não gostam,
que toda gente acha graça...
ele corre atrás das raparigas que levam as bigas na cabeça
e levanta-lhes a saia!
A mim ele ensinou tudo!
Ele me ensinou a olhar para as coisas,
ele me aponta todas as cores que há nas flores,
e me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas!
Damos tão bem um com o outro
na companhia de tudo que nunca pensamos um no outro
vivemos juntos os dois como um acordo íntimo,
como a mão direita e a esquerda!
Ao anoitecer, nós brincamos as cinco pedrinhas no degrau da porta de casa,
graves, como convém a um deus e a um poeta!
Como se cada pedra fosse todo universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixa-la cair no chão!
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos homens e ele sorri...
porque tudo é incrivel!
Ele ri dos reis,
e dos que não são reis
e tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios!
Depois ele adormece e eu o levo no colo para dentro da minha casa...
deito-o na minha cama, despindo-o lentamente como seguindo um ritual todo humano
e todo materno até ele estar nu!
Ele dorme dentro da minha alma!
Ás vezes ele acorda de noite,
brinca com meus sonhos,
vira uns de pernas pro ar,
põem uns por cima dos outros e bate palmas sozinho sorrindo para o meu sonho!
Quando eu morrer filhinho,
seja eu a criança mais pequena!
Pega-me tu ao colo, e leva-me para tua casa
Deita-me na tua cama despe o meu ser,
cansado e humano
conta me historias caso eu acorde, para tornar a adormecer
e da-me sonhos teus...
para eu brincar!

Fernando Pessoa

Nenhum comentário: